LINHA 10 – Por onde passam pensamentos

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Monólogos para dois

1 02 2011

fonte de imagem: http://galeriamagem.blogspot.com/2010_08_01_archive.html

– Alô.

– Oi amor, como foi seu dia?

– Oi querido, foi tudo bem, e você?

– Sem novidades, o de sempre.

– Então tá.

– Tá bom. Liguei para saber isso mesmo.

– Tá bom então, meu amor.

– Boa noite, então.

– Boa noite. Quer que deixe sua janta pronta?

– Já comi antes de sair, não precisa não.

– Então tá.

– Tá. Boa noite.

– Boa noite, beijo.

– Beijo, até mais.

Ele chegou antes dela e entrou no chuveiro. Ela esquentou a comida do dia anterior e ligou a televisão. Ele escovou os dentes, ligou o despertador e foi dormir. Ela, ainda com a televisão ligada, lavou a louça preparou a marmita dele, pôs roupas de molho, escovou os dentes e foi dormir, lembrou-se da televisão, levantou para desligá-la e acabou assistindo os trechos finais de um filme. Desligou e foi dormir.

– Alô?

– Oi… Bom dia minha princesa! Dormiu bem?

– Bom dia, meu amor! Ah você sabe que dormir é muito difícil para mim… E você?

– Como uma pedra, nem vi você sair.

– E no trabalho, tá tudo bem?

– Tá sim, o de sempre…

– Humm. Tá bom então.

– Sabe, hoje o pessoal vai no boliche depois do trabalho.

– Ahh. Legal.

– Pensei de ir passear um pouco, vamos?

– Hoje?

– É

– Hum, não vai dar não, tem roupa de molho em casa.

– Que tem?

– Ah, mancha se deixar mais tempo.

– Mancha nada!

– Mancha sim, eu li na embalagem, não pode ficar mais de 12 horas.

– Então já manchou.

– Não quero ir não.

– Por quê?

– Não quero.

– Passear um pouco, depois come em algum lugar.

– Quanto é?

– Acho que uns 40 reais.

– Tudo?

– Não, o boliche só.

– Eu não! Gastar isso nesse jogo chato.

– Então eu vou só, tá?

– Tá.

– Ligo para você de novo, aposto que vai mudar de idéia, te conheço.

– Tá bom.

– Você vai então?

– Não!

– Te ligo depois.

– Beijo…

– Beijo, tchau.

– Tchau.

Ela chegou em casa e as roupas estavam manchadas. Foi ligar a televisão.

– Alô!

– Você vem?

– Hã?! Quem é?

– Sou eu, amor…

– Não vou!

– Que foi?

– Nada!

– Você não quer que eu vá?

– Vai! Vai passear!

– Tá nervosa?

– Lógico, né?

– Por que, “lógico”?

– Ah, adivinha?

-Sei lá…

-Manchou!

– Haha, ah isso.

– Como ah isso? Um monte de peça manchada agora.

– Quer que eu vá para aí?

– Não precisa. Não vai ajudar, vai?

– Iiiii, pelo jeito você tá naqueles dias.

– Vai pro seu boliche e não enche!

– Então se acalma, já tá manchado mesmo…

– Quem vai nesse boliche?

– O pessoal lá…

– Que pessoal?

– Do trabalho, ué.

– Ahn, sei.

– Agora é ciumeira?

– Onde é o boliche?

– Perto do trabalho mesmo.

– Sei… não me lembro de ver boliche por lá.

– Agora tá desconfiando do boliche também, vou desligar.

– Desliga… Canalh———

Naquela noite ela desligou a televisão, ligou o rádio e ouviu o programa especial “Sambas de Noel”. Sentiu verdadeiramente um vazio irromper no seu peito devastando toda e qualquer memória de alegria que já pudesse ter ido. Chorou convulsivamente, enquanto esfregava as roupas brancas manchadas de tons rosa e magenta.

Ele não chegou no horário combinado. A falsa insônia deu lugar a verdadeira. Sacou o celular da bolsa.

– ……….

– Alô!

– ………(suspiro)

– Alô! – Se não responder vou desligar!

– …..oi

– É você?

– …… é.

– ligou para não falar?

– …… onde você tá?

– no terminal. O ônibus acabou de sair.

– me espera, te encontro pra conversarmos.

– quê? ———-

Ele esperou, quando ela chegou, pouco tinha para falar. “A relação já estava gasta, toda discussão vem sem motivo”. Houve muitos argumentos, bons até, “se fosse mentira para que o convite, em momento nenhum houve motivo”. Ela estava apática, queria resolver de uma vez por todas. Cansei de resolver problema a prestação! Disse elevando o ton. O fim estava certo, não havia volta, nem reconciliação.

Subiu no mesmo ônibus em que veio que não partiu no instante. Ele se afastou olhando fixamente para janela, de onde ela, do lado oposto, fazia o mesmo. Estavam a uma distância que a comunicação era perfeita, mas a separação asséptica de 2mm de vidro cortava um elo, um contato sutil.

Ele de olhos marejados e desolado pelo brusco corte, balbuciava algo. Ela querendo evitar entender, olhava para baixo.

Nesses poucos minutos de pausa do ônibus, um abismo se abriu aos pés deles e a última esperança que restava para além desse corte era estabelecer um diálogo.

– Alô…

– Oi.

– Princesa, não faz isso comigo, olha pra m—–

[sobre a imagem, fotógrafo e artista visual : http://galeriamagem.blogspot.com/2010_08_01_archive.html          http://www.forumfoto.org.br/pt/2010/08/luis-gonzalez-palma/        http://www.gonzalezpalma.com/     enjoy!]

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Tags: ônibus, celular, comunicações, diálogo, fim relacionamento, monólogo, relação
Categorias : não-lugares, REFLEXÕES, RELACIONAMENTOS, sutilezas


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